quarta-feira, 2 de julho de 2014

Xeque-mate

Diário de um presidente de Câmara
Apesar de não ter maioria absoluta, nestes primeiros tempos tenho sabido lidar com a oposição. Tenho até enfrentado problemas maiores com malta do meu partido, em especial, dois deputados municipais que, de vez em quando, desalinham nas votações.
E chegou-me aos ouvidos que andam a tentar arranjar uma lista para se candidatarem à liderança da concelhia nas eleições internas que estão aí à porta. Uma possibilidade que é inaceitável, de forma que resolvi passar ao ataque.

Convidei o líder da oposição para jantar e disse-lhe que precisava que ele agitasse as ondas. O homem ficou confuso.
- Mas não tínhamos combinado que não te incomodava nestes primeiros tempos?
- Pois, mas preciso de agitar as coisas um bocado. Tens aqui estes documentos sobre algumas sacanices que dois tipos do meu partido fizeram. Podias fazer umas insinuações sobre isso.
Ele agarrou nos papéis que coloquei em cima da mesa, deu-lhes uma vista de olhos e abanou a cabeça.
- Isto são mais questões pessoais que politicas…
- Há aqui dinheiro público em jogo. Mas tu é que sabes. Passando para um assunto completamente diferente, sou capaz de ter arranjado uma solução para legalizar um dos projectos que meteste na câmara.
- Qual deles?
- O do hotel, que tinha aqueles problemas com o PDM.
- Eh, pá, isso e óptimo. Consegues mesmo?
- Se me empenhar nisso, é possível que consiga - e olhei para os papéis enquanto os empurrava um pouco mais para o lado dele.
Voltou a pegar neles e acabou por dizer:
- Bom, voltando aqui a este caso, realmente, é capaz de haver aqui um conflito de interesses da parte dos teus amigos por serem autarcas.
- É exactamente o que eu penso. Temos acordo? - Apertámos as mãos e, com aquele assunto resolvido, encomendámos o jantar, que já se estava a fazer tarde.

No dia seguinte, ele usaria os dados constantes naqueles documentos para atacar os meus dois deputados municipais rebeldes. E eu iria ser o primeiro a vir defendê-los, o que iria mobilizar e unir o partido em meu redor. Uns dias mais tarde, anuncio ser candidato à liderança da concelhia e, depois deste episódio, ninguém vai ter condicões para se apresentar contra mim.

De modo que, enquanto presidente da câmara e da concelhia do partido, fico com um poder quase absoluto no concelho. E, pronto, xeque-mate. Quem se mete comigo, leva.

Sem comentários:

Enviar um comentário